Matemática (e)m toda p(arte)



Matemática, expressão artística e cultura. Esses três campos, que aparentam não ter nenhuma relação entre si, podem se fundir no trinômio ‘’raciocínio intrínseco’’, ‘’sentido estético’’ e ‘’razões sensíveis’’ . Três coisas que juntas podem revolucionar as formas de ensinar e aprender. 

Num aprofundamento histórico feito com discussões do próprio Componente Curricular Matemática e Espaço (CC ME) anteriormente, é possível notar alguns elementos fundamentais para fomentar o entendimento dessa relação. A começar pelas Mariposas do povo Bora, práticas artísticas, transmitidas de geração a geração e revestidas de raciocínios matemáticos. Na geometria Sona, não é diferente: as lusonas configuram uma forma tradicional de contar histórias (razão sensível) de expressão artística, que partem de um princípio matemático sensorial (raciocínio intrínseco) e podem ser suavizadas para a obtenção do efeito visual desejado (sentido estético). A pavimentação também é feita por essa lógica: precisa seguir um padrão geométrico, mas pode alcançar detalhes criativos que a deixem com o efeito pretendido. Logo, matemática, cultura e arte não são antagônicas. Ambas têm histórias paralelas e surgem como linguagens que possibilitam a comunicação entre gerações. Todas as civilizações trouxeram consigo produções artísticas e tradicionais que podem embasar aprendizados matemáticos de uma forma singular. Essas heranças nos contatam com a sensibilidade do intelecto.  

 Estamos vivendo um processo único de tomada de consciência e participando de um movimento de desconstrução da matemática clássica a que fomos apresentados na escola. Ela existe, é válida e é importante. Mas existem outras formas de fazer que não devem ser silenciadas. Somos convidados a compreender a importância da matemática não só dos livros, mas da vivência. Logo eu, que nunca fui fã de matemática, a tirei da estante e vesti. Ela está em mim e eu estou nela. 

Essa forma lúdica e estética de entender e explicar os conhecimentos matemáticos é o terror do cientificismo. O que se vê são estudos de ponto, reta e plano. ‘’Se não entender, decora!’’ Somos treinados pra ver a geometria enquanto noção teórica, sem aplicabilidade, reduzida ao mundo do raciocínio abstrato. Temos dificuldade para perceber e expressar esse tipo de conceito. Numa tentativa de atenuar e problematizar esse ensino equivocado, fica claro como a utilização do universo artístico cultural oferece vantagens didáticas para as aulas de matemática. Além de atrativos e interessantes, esses encontros despertam no estudante a capacidade de interpretar fenômenos matemáticos presentes não só em outras áreas do conhecimento, mas também em sua vida e em sua ancestralidade, recontextualizando o saber, reconhecendo em seu próprio cotidiano situações que dão sentido ao conhecimento. E é justamente por essa tomada de consciência que essa pedagogia oferece, que deve apoiar-se na cultura artística regional, proporcionando ao estudante a saída do modelo educativo eurocêntrico e monocultural e dando-lhe plenos subsídios teóricos para a construção ou ressignificação da sua identidade étnica e fazendo da educação um campo de luta e de contestação de todas as práticas de ensino que marginalizam os conhecimentos alternativos. Hoje eu concebo a matemática como uma atividade humana que está sendo constantemente construída, inclusive por mim. Minha história tem valor, a história da minha família tem valor, a história do meu país e dos meus descendentes tem valor.  

Através do meu reconhecimento, eu honro os esforços que Bora tiveram pra encontrar uma simetria tão perfeita que adornasse as cestarias. É através do meu reconhecimento que as muitas águas não podem mais apagar as lusonas de tantos angolanos que penaram escravizados para começar a erguer os direitos que hoje são gozados por mim. 


  

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Einstein de pantufas

Consultório oftalmológico: a matemática da minha ancestralidade

Povo Bora e Mariposas: primeira descolonização do saber